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Mulherismo Africana


Aurora: Márcia Ferreira @marciaferroficial


Quando me convidaram a escrever um texto para o blog, na verdade eu apenas havia sugerido o tema, não tinha a menor pretensão se ser eu mesma a autora. Disse que era algo sobre o qual gostaria/estava me debruçando e fazendo descobertas bastante interessantes e que encontravam eco em minha própria perspectiva e forma de pensar. Logo, é bom que saiba que este texto parte de minha subjetividade e se apoia nos pródromos de um incipiente, porém profícuo estudo sobre Mulherismo Africana.


Minha viagem se iniciou pela música. Isso mesmo! Ouvindo as canções de Gerilson Insrael e C4 Pedro, percebi que a forma como cantavam às mulheres era bem diferente da que ouvimos por aqui. Não conheço todas as suas músicas, mas até então todas as que ouvi colocam a mulher numa posição de ser a ser reverenciado. Convido-te a dar um confere e atestar se o que digo faz algum sentido. Daí, uma pulguinha refugiou-se atrás de minha orelha. Seria a visão ou a representação das mulheres para estes homens africanos diferente? 

Faço parte de uma sociedade que foi fundamentada a partir de uma cultura colonialista, logo fui formada segundo parâmetros eurocêntricos. Grande parte da cultura do povo do qual eu descendo foi apagada, invisibilizada ou sofreu epsitemicídio sendo desconsiderada enquanto saber científico.  Sou da geração pré-internet gente, então o que aprendi durante boa parte da minha vida, foi aquilo que quiseram me ensinar. Porém, acredito numa memória ancestral, algo que foi enxertado ainda quando éramos formados no ventre materno, que moldou nossa personalidade e ainda hoje interfere constantemente em nossas atitudes e vivências. Ela grita no meu interior, me fazendo estranhar muitas coisas que estão como dadas ou naturais na sociedade ocidental. Rsrs, Ryane Leão diria que seriam nossas ancestrais soprando em nossos ouvidos. Acredito que sim, também.  Na faculdade eu não era muito bem compreendida quando dizia que queria um homem que me bancasse, argumentando que o feminismo tal como me era apresentado não me contemplava, porque meu interesse não era o de trabalhar fora (uma das premissas das primeiras feministas), mas parar de trabalhar tanto. Pra falar apenas de uma das inúmeras divergências, meu corre era bem anterior ao lance de “liberdade sexual”, “equiparação salarial”, eu tava mesmo buscando pela minha humanização e isto precede qualquer outro tema a ser discutido. Eu precisava que me considerassem gente (e, portanto, ser pensante) para poder discutir.  Tempos depois, lendo Angela Davis, conheci o feminismo negro e as coisas passaram a fazer algum sentido pra mim. Alguém mais, e este alguém cheio de autoridade, atestava que a experiência do ser mulher não era algo universal, e que as mulheres negras tinham demandas distintas das mulheres brancas. Somos atravessadas por uma tripla opressão: raça, gênero e classe. Foi bacana descobrir Sueli Carneiro, Chimamanda Ngozi Adiche, Jurema Werneck, bell hooks, Audre Lorde, Djamila Ribeiro, mas em conversa com homens pretos, percebi que haviam pautas nas quais parecia que o arcabouço teórico e empírico do feminismo negro não dava conta, e mesmo por vezes parecia abrir feridas profundas ou criar uma cisão entre nós. Isso me inquietava (e ainda inquieta, devo admitir). 


Lembra da parada sobre memória ancestral de que falei mais acima? Pois é, ela seguiu me inquietando e guiando. Foi num desses caminhos que me deparei com um vídeo da Aza Njeri no qual citava o Mulherismo Africana. Recordava-me de já ter ouvido em alguns lugares por aí, mas não havia me interessado a ponto de satisfazer a curiosidade. Dia destes, porém, em conversa com um homem preto, recebi um vídeo da Katiuscia Ribeiro no qual explicava sobre. Cara, a coisa passou a fazer ainda mais sentido pra mim! Mulherismo Africana parte de um paradigma analítico afrocentrado e não de uma filosofia ocidental. O homem branco europeu cunhou o que seja o feminino e, portanto, o que se espera do papel social que a mulher deve desempenhar. Considerando a cultura matriarcal vivida em África antes de qualquer interferência do homem branco lá pelos idos do séc XV, a teoria nasce na década de 80 do estudo de como eram as mulheres negras e de como se organizavam. Ainda hoje em alguns povos africanos, tanto mulheres quanto homens trabalham colaborativamente em todas as áreas de organização social. Há um respeito pelas tradições e pelos papéis sociais que cada um desempenha, sem contanto ser tido como algo depreciativo, subserviente ou pautado numa relação de dominação. Por exemplo, às mulheres está definida a função do alimentar seus membros familiares e sociedade, mas também é em suas mãos que reside o poder, por ser esta a emissária da vida, portanto responsável pela condução da regeneração espiritual dos antepassados, embaixadora da cultura e o centro da organização social. Ela é a líder, a Mãe Africana responsável pela "luta para recuperar, reconstruir e criar uma integridade cultural que defenda os antigos princípios Maáticos de reciprocidade, equilíbrio, harmonia, justiça, verdade e ordem e assim por diante”, fala de Nah Dove, grande expoente do pensamento mulherista.


Me parece que o Mulherismo Africana busca na própria história pré colonialista e mesmo de resistência dos povos africanos à dominação européia, as bases para construção de mecanismos de resistência e 're'existência ante às violentas ações do racismo experienciado em nossos dias. Um processo que muito me referencia à Sankofa e, portanto, a uma filosofia de pensar a vida a partir de a ótica ancestral que me diz respeito.  Ah, importante ressaltar que feminismo negro e Mulherismo Africana não rivalizam. Não dialogam pq partem de locais diferentes para pensar e construir suas narrativas.  Eu tô no início desta descoberta fantástica, mas absolutamente maravilhada.

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